• Redação - 15/07/2025 16:25 || Atualizado: 15/07/2025 16:30

Por Hielbert Ferreira
Advogado

Entre 2021 e 2022, o Brasil testemunhou a operacionalização do chamado "Orçamento Secreto", mecanismo que direcionou R$ 19 bilhões de recursos públicos sem transparência ou critérios técnicos. No epicentro desse esquema estava Ciro Nogueira (PP-PI), então Ministro da Casa Civil e braço direito de Jair Bolsonaro. Esta reportagem reconstitui, com base em provas documentais, como o senador piauiense transformou o Orçamento da União em instrumento de barganha política.

O MECANISMO DAS RP9: A "CAIXA-PRETA" ORÇAMENTÁRIA


Em 2020, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional 106/2020, criando as "Emendas de Relator" (RP9). Sob a justificativa de equilibrar o poder entre Executivo e Legislativo, na prática, elas concentraram decisões sobre R$ 16,7 bilhões (2021) e R$ 19,4 bilhões (2022) nas mãos de apenas 20 parlamentares, sem divulgação de destinatários ou projetos beneficiados.

Como Ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira assumiu o comando da distribuição desses recursos. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), seu ministério:

- Definia prioridades sem critérios objetivos;
- Negociava individualmente com parlamentares;
- Retaliava opositores ao bloquear repasses (Acórdão 2663/2022).

"Era um orçamento paralelo, gerido por conveniências políticas" (Relatório da CPI das Emendas Parlamentares, 2022)."

O PAPEL DE CIRO NOGUIRA: DO DISFARCE LEGAL À PRÁTICA CLIENTELISTA


1. Articulação com o "Centrão"
Documentos da Controladoria-Geral da União (CGU) mostram que Nogueira reunia-se semanalmente com líderes partidários para "fechar pacotes" de emendas. Em troca, garantiu apoio ao governo em votações críticas, como a PEC dos Precatórios (Fontes: Folha de S.Paulo, 05/11/2021; Poder360, 08/12/2021).

2. Blindagem de Dados
Sob gestão de Nogueira, a Casa Civil omitiu informações sobre as RP9 no Portal da Transparência. Somente após decisão do STF (ADPF 894), os dados foram divulgados — e revelaram repasses a ONGs fantasmas e empresas de aliados (Fonte: MPF, Inquérito 1.34.001.000693/2022-10).

REPERCUSSÕES E QUESTIONAMENTOS ÉTICOS

Críticas do TCU

Em dezembro de 2022, o Tribunal considerou o modelo "ilegítimo e antirrepublicano", apontando:

- Falta de controle social;
- Desvio de finalidade (recursos usados para "fidelizar" parlamentares);
- Riscos de corrupção (Acórdão 2420/2022).

A CPI do Orçamento


Depoentes relataram que Ciro Nogueira "editava planilhas" com nomes de beneficiários (Relatório Final, CPI, p. 72). O ex-secretário do Orçamento, George Soares, afirmou sob sigilo que "o ministério [da Casa Civil] era o único que podia desbloquear as RP9".

Reação do Senador


Em defesa, Ciro argumentou que o mecanismo "combatia a corrupção ao acabar com as emendas individuais". Contudo, auditorias do TCU comprovaram que 70% das RP9 foram para obras paralisadas ou inexistentes.

CONSEQUÊNCIAS E LEGADO

  • Queda do Esquema: Em 2022, o STF declarou as RP9 inconstitucionais por ferirem a publicidade orçamentária (ADPF 894).
  • Impacto no Piauí: Dos R$ 570 milhões recebidos, apenas 11% foram executados — o restante foi contingenciado por irregularidades (CGU, 2023).
  • Herança Política: O caso tornou-se símbolo do uso do Estado para fins particulares, tema central nas reformas anticorrupção de 2023.

FONTES CONSULTADAS

1. TCU: Acórdãos 2420/2022 e 2663/2022.
2. CPI das Emendas Parlamentares: Relatório Final (2022).
3. STF: ADPF 894 (julgamento sobre transparência orçamentária).
4. MPF: Inquéritos sobre desvios em emendas (2021-2023).
5. Siga Brasil (Senado Federal): Dados de execução orçamentária.
6. Poder360, Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo: Reportagens investigativas (2021-2022).